A certificação florestal pode ser uma das saídas para a conservação das florestas e a garantia de um produto de origem madeireira sustentável

“Não desperdiça papel!”, esbravejava a professora na escola. Aquela folha branca, que ia ao lixo toda vez que um desenho ficava feio ou era exposta no varal da sala de aula, já foi, um dia, uma árvore. Para as crianças, era só uma base para colocar a imaginação para fora.
Talvez eles nem se dessem conta, mas aquele papel traz consigo uma série de “revoluções verdes”. Depois de reuniões que ocorreram principalmente entre os anos 1980 e 1990, o mundo começou a se preocupar com o planeta Terra. “Estávamos destruindo nossa casa! Algo precisa ser feito e rápido! Chega de papel, reduza o consumo de plástico! Alguém salve a Amazônia!”
O desespero era quase geral. A palavra sustentabilidade, nova no vocabulário e no dicionário da época, chegava mansa, envergonhada, mas com um significado enorme. Cientistas e ambientalistas começaram a fazer seu uso, ao afirmar que sim: dá para viver em harmonia com a natureza. O desafio é grande, mas há alternativas.
A partir de então, começaram-se a desenvolver inúmeras formas e ferramentas para transformar (para melhor) nosso planeta. Biocombustíveis já eram testados, fontes alternativas de energia, como a eólica e biodiesel, e a reciclagem se tornaram hype. Mas e o papel? Esse material, quase insubstituível em nossas atividades, usa como principal matéria-prima uma das vítimas da ação humana: a árvore. E agora, quem poderá nos defender?
Em 1992, durante a conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco-92, o mundo discutia todos esses temas importantes para a geração do nosso planeta. O encontro serviu como ponto de partida para reunir vozes do mundo todo, que definiria, através de um fórum: o que é manejo florestal sustentável? Em outras palavras, como podemos fazer com que o papel que usamos no dia a dia, não se torne o vilão e venha a acabar com as árvores do planeta?
Ambientalistas, economistas, militantes da causa social e muita gente interessada uniram forçar e criaram o Forest Stewardship Council®, ou FSC®. O objetivo era criar princípios e critérios que estejam em harmonia com a sociedade (respeitando leis trabalhistas e comunidade), meio ambiente (sem degradar!) e economia (criar desenvolvimento local e aumentar o bem-estar econômico). Quem seguisse todas as regrinhas, poderia ter um selo em seu produto, que atesta a preocupação com o planeta.
Neste selo, há um código que, quando ser pesquisado, mostra ao consumidor final qual tipo de árvore seu produto era, onde estava plantada e quem cultivava. No mundo são mais de 180 milhões de hectares certificados. É como se 180 milhões de Maracanãs respeitassem o social, ambiental e econômico!
Dentro do universo social, valorizar a comunidade local é muito importante. Em um mundo cada vez mais capitalista, respeitar os povos ribeirinhos e que dependem da floresta é fundamental.
Entre os beneficiados pelos princípios e critérios FSC é a Cooperativa dos Produtores Florestais, a Cooperfloresta. Desde 2005, a instituição beneficia 201 famílias a partir do manejo florestal madeireiro comunitário. Dividido em cooperativas comunitárias, os beneficiados produzem toras de madeiras, que viram produtos de origem 100% madeireira.
“Nosso trabalho, além de beneficiar a natureza, serve de instrumento pedagógico que favorece a organização social, produtiva e comercial, dando visibilidade local, nacional e internacional”, conta Evandro Araújo de Aquino, 34, assessor técnico em desenvolvimento regional e meio ambiente da Cooperfloresta.
Segundo ele, a principal diferença da instituição para outras cooperativas florestais está no modelo de governança desenvolvido, em que cada pessoa física (produtor florestal/extrativista) é cooperado direto, podendo ter atuação permanente nas instâncias de discussão e tomada de decisão. “A Cooperfloresta sempre busca seguir os princípios básicos do cooperativismo e tendo a transparência como um instrumento de gestão do manejo florestal comunitário”, diz.
São 26 funcionários registrados na cooperativa. O manejo florestal da Cooperfloresta é organizado por comunidades que fazem parte de associações de produtores extrativistas. As organizações são detentoras dos Planos de Manejo Florestal, junto aos órgãos ambientais, como, por exemplo, o Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac – esfera estadual) ou o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio – esfera federal).
Mas, afinal, qual a importância da certificação florestal para as comunidades? Evandro responde: “a certificação ajuda na manutenção das florestas em pé, contribui para o processo de gestão do manejo comunitário e mantém nossa credibilidade socioambiental”, explica.
A Cooperfloresta recebeu, em 2013, o primeiro selo de certificação florestal 100% comunitário do Brasil. Isso garante que todo o material da instituição vem de florestas manejadas por pequenos produtores ou comunidades, em equilíbrio com o meio ambiente.
Confiança verde
Para receber o selo FSC, a área deve passar por uma auditoria, para saber se todos os princípios e critérios estão sendo cumpridos. O Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), representante no Brasil da Rainforest Alliance, realizou este trabalho na Cooperfloresta.
A história entre as duas instituições é longa. “Os primeiros trabalhos com as associações comunitárias ligadas a Cooperfloresta começaram em 2002. A partir daí, a parceria ficou mais sólida e certificamos sete associações”, conta David Escaquete, 35, engenheiro florestal da Imaflora. Para ele, a certificação comunitária florestal é só sucesso. “Aprendemos a enxergar o valor da floresta do ponto de vista comunitário e sua importância para os povos das florestas”, ressalta.
A certificação florestal é importante para o comércio e economia local. Ainda assim, prevalece a compra e venda de madeira legal no Pará. Segundo dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), cerca de ¾ de toda a madeira explorada no estado é ilegal. O Pará é o estado que mais produz e exporta madeira da Amazônia. O Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), do mesmo instituto, apontou que, em setembro de 2014, 23% do total de desmatamentos da Amazônia ocorreu no estado paraense. Um número preocupante considerando que 80% do seu território é composto por Floresta Amazônica.
“Por isso a certificação florestal é importante. Porque garante que infraestrutura local, formação de profissionais, remuneração pelos produtos madeireiros e benefícios sociais sejam garantidos. E garantem, a curto e longo prazo, uma floresta em pé e conservada”, diz David. A madeira certificada ainda não é maioria no estado porque enfrenta a desleal concorrência com a madeira ilegal, que é vendida a preço de banana, contra a madeira certificada, que tem seus valores embutidos na tora.
Apesar do estado possuir altas taxas de desmatamento ilegal de floresta nativa, Evandro é confiante em relação ao futuro da Amazônia e das comunidades locais. “Promover a conservação das florestas através do bom manejo florestal evita o desmatamento e garante um planeta melhor para minha geração e as que estão chegando”, diz.
Grande desafio
O Brasil ocupa o sexto lugar no ranking de certificação florestal FSC no mundo. Fica atrás de países como Rússia, Polônia, Estados Unidos e Canadá. “Para que o Brasil tenha ainda mais certificações, muitas coisas são necessárias. A necessidade deve partir das empresas, em se tornarem mais sustentáveis e do consumidor final. Além disso, políticas públicas devem pressionar atividades de exploração madeireira não-autorizada e estimular o manejo certificado”, aconselha Escaquete.
Para Fabíola Zerbini, 35, secretária-executiva do FSC Brasil, o desafio também parte do consumidor final. “A gente ainda tem muita ilegalidade e falsa legalidade de madeira – ou seja, a madeira sendo vendida como legal na Amazônia. Isso traz uma história de vida muito ruim: exploração ambiental, do trabalho”, explica. “É quase impossível competir com preço, com a facilidade das condições, versus uma empresa que cumpre todas as regras, leis, normas e as boas práticas. Se não formos nós, consumidores, a definir o que nós queremos, esses ilegais não vão sobreviver”, diz.
Há muito o que fazer, mas existem milhares de pessoas preocupadas com nosso futuro, que pensam na conservação das matas e do papel que a criança desenha. O futuro só será sustentável quando todos estiverem engajados. A luta já começou.
Texto premiado na Semana Abril de Jornalismo Ambiental, em novembro de 2014.